segunda-feira, 27 de abril de 2020

Quem conta um conto não acrescenta só um ponto...

Diz o povo que "quem conta um conto... acrescenta um ponto". Isto é, que cada pessoa relata um mesmo acontecimento ou facto acrescentando pormenores da sua autoria.

Mas, pegando neste conhecido provérbio português, e tendo em conta a importância de contar histórias, como vimos no conto de Margarida Fonseca Santos, gostava de vos colocar um desafio: inventar e contar uma história.
Mas esse não é o único repto...
Queria que inventassem e contassem uma história e que na vossa narração tentassem incluir, pelo menos, sete palavras da lista de palavras favoritas que vocês escolheram numa postagem anterior:

  • Solidariedade.
  • Viver.
  • Verão.
  • Estável.
  • Responsável.
  • Possível.
  • Praia.
  • Pescoço.
  • Carruagem.
  • Bilheteira.
  • Partilhar.
  • Além disso,
  • Embora.
  • Rapariga.
  • Saudade.
  • Carro.
  • Primavera.
  • Vaga-lume (ou "pirilampo")
  • Saúde.
  • Cabeleireiro.
Bom trabalho!!!

O Conto dos Contos


A proposta que vos trago hoje é que ouçam esta história, "O Conto dos Contos," contada oralmente pela escritora Margarida Fonseca Santos e leiam depois a versão escrita. 


  • Conseguem ver as diferenças entre as duas tipologias textuais?
  • Acham que é importante contarmos histórias? E criarmos histórias?
  • Qual é a importância das histórias?
  • Que espaço ocupa a ficção nas vossas vidas?


“Era uma vez um povo… Era um povo escorraçado pela guerra, que vagueava pelo mundo à procura de um local onde pudesse finalmente assentar, onde pudesse construir uma aldeia. Depois de muito andar, por montes e valas, planícies e desertos, esse povo chegou a um sítio extraordinário. Tinha água por perto, terrenos bons para cultivo, um clima aprazível, nenhum inimigo à vista. O chefe sorriu, feliz por poder dar ao seu povo ordem que começasse a construir uma aldeia.
Os tempos que se seguiram só podiam ser de trabalho árduo. Foram erguidas casas, lavradas e semeadas terras, nume esforço para recomeçar uma vida que tinha sido interrompida.
Quando tudo estava terminado, o chefe começou a observar as gentes desta aldeia. Alguma coisa não batia certo! Dispunham de tudo aquilo de que necessitavam: casa, água, alimentos, paz… Mas faltava qualquer coisa. Não precisou de pensar muito para chegar à conclusão de que aquele povo estava triste. Carregava uma tristeza profunda.
Reuniu-se o conselho dos anciãos. O chefe ouviu os relatos de todos, e a verdade era a mesma – aquele povo sofria de uma mágoa imensa. Ninguém sabia o que fazer. Festas? Bailes? Discursos…? A reunião terminou sem que se chegasse a uma solução.
O chefe ficou sozinho, esgotado pelo cansaço e, escusado será dizer, pela mesma tristeza que afundava todos os outros. Sentiu-se inútil. Conduzira-os até ao sítio ideal e nada podia fazer para recuperar a sua alegria. Foi então que percebeu que, ao fundo da sala, ficara o homem mais velho da aldeia. Olhava para ele com o ar sereno de quem sabe a verdade. O chefe não rodeou a questão.
- Diz-me o que devo fazer…
O velho sorriu.
- Conta-lhes histórias.
O chefe ficou perplexo. Histórias?! Para quê? O velho adivinhou-lhe os pensamentos.
- Para que recuperem uma identidade, uma memória comum, se quiseres, para que a construam juntos, para que recuperem os afectos através de invenções, recordações, sensações…
O chefe estava demasiado cansado para rebater. Nada do que ouvia lhe fazia sentido, mas ele não sabia que sofria do mesmo mal que todos os outros – perdera uma boa parte da esperança. No entanto, no seu íntimo, sentiu que devia confiar, e foi por isso que convocou para a noite seguinte todo o seu povo para uma reunião à volta da fogueira.
Quando viu que todos haviam comparecido, arrepiou-se. Suspirou e contou uma história. Perante a perplexidade de todos, contou a única história que conseguiu recordar. O povo, calado, escutou. Ninguém comentou, mas também ninguém abandonou o local com pressas. E o velho, sentado a um canto, sorriu.
Na noite seguinte, à hora marcada, já várias pessoas estavam sentadas à volta da fogueira, e o chefe, com algum alento ganho na noite anterior, contou duas histórias – uma de feitos antigos, e outra, inventada ao sabor das chamas do lume.
Na terceira noite já todos haviam chegado quando o chefe se aproximou da fogueira. Contou, com algum receio, mais uma história inventada, e quando acabou, olhou para o velho. Estava sem forças para contar mais! E foi nesse momento que um homem ergueu a voz e disse:
- Agora conto eu…
E ali nasceu uma narrativa onde se reconheciam farrapos da história daquele povo e muita fantasia. No entanto, quando se calou, outro homem relatou um breve episódio do passado. Muitos se riram pela forma engraçada como ele lhes apresentou aquela pequena história, e uma mulher falou:
- Lembro-me de ouvir a minha mãe dizer que o mais importante é a forma como contamos… Pode ser uma história simples, mas se a contarmos com entusiasmo, com emoção, ela transforma-se numa grande história!
E a mulher contou mais uma.
Quando terminou, o silêncio que se espalhou a seguir foi uma espécie de aconchego para todos. Despediram-se uns dos outros com um sorriso nos olhos.
Nos serões que se seguiram, ninguém precisou de ser avisado para comparecer junto à fogueira. Já esquecidos do esforço do chefe nos primeiros dias, os contadores foram nascendo, inventando, partilhando e, aos poucos, a alegria voltou a habitar junto daquele povo.
Numa tarde, o chefe encontrou o velho junto ao rio. Este sorria e brincava com a água. Sentou-se ao seu lado e perguntou:
- Como é que sabias que ia resultar?
- Como é que podia não resultar? – devolveu-lhe o velho. – Devias escrever estas histórias. São a memória do teu povo.
- Memória? Mas não são verdadeiras… Quer dizer… São bocados do passado, invenções, brincadeiras…
- Diz-me: conheces alguma história que seja inteiramente verdadeira?...
A esta pergunta o chefe não respondeu. Mas o que é certo é que escreveu e viu escrever outros no seu lugar. E viu renascer a esperança e a alegria no seu povo.”

In Histórias para Contar Consigo. Aprender a viver através dos contos. Margarida Fonseca Santos - Rita Vilela. Oficina do Livro, 2011 (3ª edição) 

sábado, 25 de abril de 2020

25 de abril de 1974

Comemoramos hoje o Dia da Liberdade, os 46 anos da Revolução dos Cravos, com uma homenagem simples mas sentida.


Clique aqui para ouvir o poema "25 de abril" de Sophia de Mello Breyner na voz de Cristina Paiva.
E aqui lido pelo poeta Manuel Alegre.


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25 de Abril

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen

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sábado, 4 de abril de 2020

Declamar poesia em casa


Proponho-vos neste post que declamem um poema. Exatamente isso. Praticar a pronúncia e a entoação enquanto desfrutam de cada palavra e de cada verso e mentalmente recriam um significado só vosso. Para isso vamos aprender um poema de David Mourão-Ferreira. Grande escritor português da segunda metade do século XX e filho de um elvense (este dado não é muito relevante, eu sei, mas não podia deixar de o referir, tendo em conta a proximidade). Podem ler mais alguns poemas dele aqui.

E POR VEZES

E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se evolam tantos anos


Antes de mais, gostava que vissem clicando aqui uma apresentação sobre o poema.
E agora vamos ouvir várias pessoas a recitá-lo. Nos comentários poderão dizer qual é a vossa versão preferida e porquê. Depois tenho a certeza de que vão conseguir declamá-lo à vossa maneira as vezes que quiserem e durante o resto da vossa vida...


  1. Mafalda Jara (o vídeo que está patente mais acima).
  2. Teresa Coutinho.
  3. Inês Melo
  4. Elisabete Pedreira.
  5. Paulo Condessa.
  6. A grande atriz Beatriz Batarda (e não, não pretendo influenciar a vossa escolha).
Agora que já conhecem a cantora Cristina Branco, ouçam também a versão dela, com música de Custódio Castelo:


Cristina Branco em concerto (no aconchego do lar)

Cristina Branco é uma das cantoras portuguesas com uma carreira mais sólida. Artista de personalidade vincada e voz deslumbrante. Já cantou os grandes poetas portugueses (e não só portugueses), já cantou o fado, já cantou em inglês, francês, neerlandês e espanhol. Hoje convido-vos a ver um espetáculo dela ao vivo (ou dois, se ficarem com vontade de mais). Já sabem, para assistirem, é só clicarem nas seguintes hiperligações:


Podem ver também:
E para que possamos estar atualizados, três canções do seu novo disco recém lançado no mês de março de 2020, Eva (o seu alter-ego é Eva Hausmann):
  • Prova de Eforço (Letra: Pedro da Silva Martins/Música: Luís José Martins)
  • Delicadeza. (Letra e música de Francisca Cortesão). Foi publicada como single antes do CD.
  • Leva. (Letra e música de Márcia, que já apareceu no blogue).

Leva tudo ao amanhecer No silêncio do teu andar Vais crescer da dor E ser maior Hás de ter o que alcançar (Havemos de estudar esta perífrase na unidade 8 /1ºB1) ;-) E deixa ser o que acontecer No momento que atravessares Vais saber de cor Que o teu amor É o melhor que tens para dar E nem tudo é para compreender Como nem tudo é para acreditar Mas eu sei onde vou E em teu redor Eu sei que vou ficar Sei onde vou ficar Leva tudo ao amanhecer No silêncio que for teu par Faz da sede e dor O meu motor Que é o melhor para me avançar E nem tudo é para compreender Como nem tudo é para acreditar Mas eu sei onde vou E em teu redor Eu sei que vou ficar Sei onde vou ficar